
Porquê Gostamos de Ver os Maus Vencerem na TV?
A fascinação por séries de televisão sombrias e perturbadoras parece contraditória no mundo atual, repleto de horrores da vida real. Por que ansiamos por narrativas ficcionais cheias de violência, traição e ambiguidade moral? A resposta pode estar no passado, especificamente nos tempos turbulentos do século XVII.
A década de 1600, tal como os nossos dias, foi marcada por agitação social, convulsão cultural e intriga política. A ascensão do Império Otomano, influenciadores intriguistas e disputas sangrentas por poder espelhavam as ansiedades contemporâneas. Surtos de doenças e mudanças climáticas alimentaram ainda mais uma sensação de incerteza e medo.
Cena caótica e tumultuada do século XVII, simbolizando a agitação da época e espelhando ansiedades contemporâneas.
Nesta era de ansiedade surgiu William Shakespeare, um dramaturgo que manipulou magistralmente as emoções do público. As suas tragédias, repletas de bruxas, fantasmas e personagens moralmente complexas, eram imensamente populares. Peças como Macbeth, Hamlet e Rei Lear ressoavam com o público não apesar dos seus temas perturbadores, mas por causa deles.
Shakespeare, tal como os criadores de séries sombrias de hoje, compreendeu o conceito de catarse de Aristóteles: a libertação e purificação emocional experimentada ao assistir a uma tragédia. Esta descarga emocional, vivenciada num ambiente seguro e controlado, ajuda a moderar emoções avassaladoras como medo, culpa e ódio.
Séries de televisão modernas como “Game of Thrones”, “The Walking Dead” e “House of Cards” exploram esta mesma necessidade psicológica de catarse. Ao mergulharmos em mundos ficcionais repletos de perigo e ambiguidade moral, experimentamos uma sensação de libertação emocional e uma renovada apreciação pela segurança das nossas próprias vidas.
A popularidade de séries como “Orange is the New Black”, “Mr. Robot” e “Vikings”, com os seus temas sombrios e personagens moralmente questionáveis, reforça ainda mais este fenómeno. Estas narrativas permitem-nos explorar os aspetos mais obscuros da natureza humana sem consequências no mundo real. Podemos confrontar os nossos medos e ansiedades num ambiente controlado, emergindo, em última análise, com uma sensação de alívio e controlo.
Esta exposição controlada ao medo e à ansiedade atua como uma forma de homeopatia psicológica. O estímulo desagradável, confinado ao ecrã, permite-nos processar emoções negativas sem danos reais. A capacidade de nos afastarmos a qualquer momento reforça uma sensação de segurança e controlo, crucial num mundo frequentemente percecionado como caótico e imprevisível.
Ao interagirmos com conteúdo sombrio e perturbador nos limites seguros da ficção, ganhamos uma sensação de perspetiva e resiliência emocional. A emoção vicária de assistir a coisas más acontecerem a personagens ficcionais permite-nos confrontar as nossas próprias ansiedades e emergir com uma sensação estranha de poder.